Em empresas familiares, a governança associada e fundamentada na equidade e combinada com a gestão de riscos são fontes de fundamentos que auxiliam na construção de sustentabilidade e de empresas mais eficazes, conforme a meta proposta pela ONU em seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), especificamente o seu ODS 16.6: “Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis.”
Para que esse ODS, em especial, seja atingido, a gestão de riscos em uma empresa torna-se essencial, especialmente em empresas familiares. É amplamente sabido que, justamente por compreender diferentes gerações familiares em seu seio, as empresas familiares enfrentam um certo risco de forma mais significativa do que outras: a sucessão. As empresas mapeiam seus riscos, mas, com frequência, não colocam esse tema como um risco que se deve analisar com prioridade.
Desenvolver um plano sucessório faz com que a empresa continue em seu ritmo de vida mesmo após eventos que a desestruturam, como o falecimento de um fundador ou de profissionais essenciais, por exemplo. Evita que as operações empresariais sejam suspensas e, mais importante que isso, auxilia na perpetuação e sustentabilidade da empresa familiar. Cuidar da sucessão de forma planejada é o reflexo da responsabilidade da família empresária com seus colaboradores, clientes e a sociedade.
Para que possamos falar de governança, é preciso falar em sucessão de forma ampla. Isso significa que a sucessão não ocorre apenas em âmbito familiar, mas ocorre em todas as empresas e em diferentes níveis, isto é, os riscos associados ao sucesso no decorrer das gerações não dizem respeito somente à sucessão familiar. Empresas de médio porte, por vezes, encontram-se em situações difíceis por não montar um plano de sucessão de seus principais colaboradores.
É comum que a preocupação única quando se fala em empresas familiares seja a sucessão do fundador. Normalmente, a preocupação maior é com a transmissão de patrimônio, ou seja, a sucessão patrimonial de sua posição societária, mas ainda há especial importância em definir quem irá assumir o seu papel quando chegar o momento, ou seja, se será um ente da família ou um profissional contratado.
Contudo, a organização não acontece apenas pelos atos do fundador. Em seus vários setores, pensando em uma empresa de médio porte, ao menos, sempre haverá pessoas chave nas quais o fundador se apoia e confia para que a empresa continue funcionando. Mesmo assim, não se fala em o que pode acontecer se essas pessoas chave, por qualquer motivo, ausentarem-se.
Não é impossível que, em certo momento, tais colaboradores peçam demissão, sejam abordados por outras empresas ou, ainda, deixem de cumprir os valores da organização, fazendo com que surja a necessidade de substituição, considerando as necessidades do mercado e mudanças de cultura. Nesse momento, caso a sua sucessão não tenha sido planejada, a empresa pode ficar em suas mãos e sofrer com a abertura de uma lacuna dentro da organização.
É essencial considerar a forma e o tempo para realização da sucessão, já que, caso feita de forma não planejada, também pode causar problemas. Um ponto forte das empresas familiares é justamente a criação de uma cultura sólida para seus colaboradores, criando um maior senso de estabilidade, de modo que mudanças muito bruscas podem gerar um ambiente vulnerável, conforme menciona Matt Allen na Pesquisa Global Hopes and Fears 2024, realizada pelo PwC.
Especialmente no período analisado, a visão dos colaboradores é a de que há mudanças demais acontecendo ao mesmo tempo (57%), o que gera preocupação quanto a segurança do seu emprego (53%). Além disso, muitos não entendem o motivo de tantas mudanças, já que anteriormente “estava tudo funcionando bem” (50%), conforme dados da Pesquisa.
Portanto, observa-se que qualquer mudança deve ser feita com muita comunicação e transparência. Não se pode deixar de lado a importância de sua realização e comunicação de forma clara, especialmente quando falamos nos benefícios do treinamento para a sucessão de colaboradores e gerentes, o que culminará na transformação de papeis dentro da empresa familiar de forma gradual para que, quando a sucessão for de fato implementada, a mudança será menos brusca.
Ainda, é possível medir todos os riscos possíveis segundo as teorias, mapas e planilhas, assim como propor medidas mitigadoras para sua avaliação e tratamento, entretanto, é preciso, inicialmente, cuidar das estruturas internas da empresa. Uma excelente ferramenta muito debatida é o compliance, contudo, ainda apresenta comportamentos nítidos de figura mítica punitiva e não orientadora.
É claro que tais medidas de avaliação e tratamento precisam existir, ter ordem, plano, sustentação financeira e administrativa (não só a social e ambiental), mas não se pode deixar de lado outros grandes riscos, não analisados na forma clássica, que são de extrema importância no funcionamento da organização, o que é o caso da sucessão dos colaboradores chave.
Todas essas medidas precisam ser mais divulgadas, mais acessíveis, mais procuradas, mais desejadas, menos misteriosas. Pouquíssimas organizações, que representam as grandes empresas, fazem a lição de casa, sendo que as médias organizações ainda precisam de ajuda para continuar a mudança de cultura e implementar planos de sucessão em seus vários níveis.
Em uma pesquisa realizada pelo IBGC em conjunto com a PwC, em 2019, demonstrou-se que apenas 27,6% das empresas possuem planos de sucessão para seus cargos-chave, restando um grande número de 72,4% que não o possui. Quando falamos no cargo de Diretor-presidente, o percentual cai para 22,6%, caindo mais ainda quando falamos em outros cargos de Diretoria e gerência, chegando em apenas 21,1% com planos de sucessão estruturados.
Parte essencial da implementação deste plano de sucessão é transmitir essa importância de formar sucessores. Deixar claro que a formação de um sucessor não significará a perda de importância ou demissão do sucedido, mas sim culminará na ocupação de novos espaços de relevância dentro da organização pode ser um tranquilizador que facilite a compreensão e aderência ao plano.
A equidade, definida pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) em seu Código de Melhores Práticas como o ato de “tratar todos os sócios e demais partes interessadas de maneira justa, levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas, como indivíduos ou coletivamente”, entra nesse processo para mitigar possíveis conflitos decorrentes de tratamentos diversos para sucessores e sucedidos no aspecto operacional, já que ambos têm o seu papel dentro da empresa, evitando rompimento de relações.
Através dessa abordagem, é reconhecido o papel do sucedido e do sucessor, conferindo maior transparência ao processo, de modo que a preparação seja um momento confortável para todos os envolvidos. Cuidar da sucessão dos gerentes e diretores é tão importante quanto cuidar da sucessão dos fundadores e, dessa forma, será realizada uma gestão de riscos diferenciada, já que pensada para mitigar eventos que, na maioria das vezes, não são levados em consideração em uma análise clássica, mas são tão impactantes quanto os demais para a perenidade da empresa.
Confira também em: https://lexlegal.com.br/o-risco-oculto-da-sucessao-de-colaboradores-chave/
Por: Dr. Carlos Felipe Camiloti Fabrin e Maria Julia Faidiga Rodrigues
Carlos Felipe Camiloti Fabrin é sócio da área Societária e Sucessória da Oliveira e Olivi. Advogado pela Instituição Toledo de Ensino (ITE), com especialização em Direito Empresarial; Especialização em Gestão Ambiental, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); MBA em Gestão Empresarial, e Mestre em Sustentabilidade e Governança pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Membro associado de duas comissões do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Maria Julia Faidiga Rodrigues é advogada na área de Sucessão Empresarial e Familiar da Oliveira e Olivi. Pós-graduanda em Direito Empresarial pela FGV Direito SP.