Apelação e Efeito Suspensivo

Apelação e Efeito Suspensivo –  A possibilidade de afastamento do efeito suspensivo do recurso de apelação: uma análise prática e sistêmica do código de processo civil para a efetividade dos pronunciamentos judiciais de primeiro grau 

 

O Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 1.012, preserva a natureza suspensiva automática do recurso de apelação, postergando a eficácia das sentenças até o trânsito em julgado ou a decisão do recurso. Este trabalho propõe uma análise crítica dessa disposição, explorando mecanismos para uma maior celeridade processual.

Como é sabido, o Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 1.012, manteve o efeito suspensivo automático do recurso de apelação, conforme segue: 

“Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.” 

Isso implica que, via de regra, a apelação possui efeito suspensivo ope legis. Assim, a sentença de primeiro grau deixa de gerar efeitos imediatos, impossibilitando, inclusive, seu cumprimento provisório e tornando-a ineficaz desde o seu proferimento, até que transcorra in albis o prazo de apelo ou o recurso seja julgado. 

A grande maioria da doutrina considera que a manutenção do efeito suspensivo ope legis representa um retrocesso significativo no Código de Processo Civil. Destaca-se que o anteprojeto e o projeto do Senado propunham, no artigo 968, uma regra contrária: a apelação não teria efeito suspensivo automático (ope legis), mas, conforme a necessidade e análise do magistrado, poderia ter efeito suspensivo ope judicis. 

Contudo, o projeto do Senado não prosperou, mantendo-se, assim, a regra do efeito suspensivo automático do recurso de apelação no direito processual civil brasileiro. Todavia, como toda regra tem suas exceções, estas estão previstas no artigo 1.012, § 1º: 

“Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.

1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após sua publicação a sentença que: […]”

O legislador, na maioria dos incisos, especificou situações (como alimentos, divisão e demarcação de terras, julgamento dos embargos do executado, interdição etc.) em que o efeito suspensivo ope legis encontra-se afastado, sem impedir que o Tribunal, mesmo nessas situações, conceda efeito suspensivo ope judicis à apelação, conforme o § 3º do artigo mencionado. Nos concentraremos na situação prevista no inciso V do artigo 1.012 do CPC. 

Este artigo indica que a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória começa a produzir efeitos imediatamente após sua publicação. Importante ressaltar que, segundo o inciso V do artigo 1.012 do CPC, o magistrado pode conceder tutela provisória na sentença. Mesmo antes da vigência do novo Código, o entendimento do STJ já era pela possibilidade de concessão de tutela antecipada na sentença (AgRg no AREsp n. 623.568/SP). Posição essa corroborada pelos ensinamentos de Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Melo: 

“O inciso V visa eliminar dúvidas: mesmo em processos cuja sentença é sujeita a apelação com efeito suspensivo, se a tutela provisória for concedida na sentença, esta não ficará sujeita ao efeito suspensivo da apelação. (…) Assim, o juiz pode, sim, conceder tutela provisória na sentença, justificada pela urgência ou evidência necessária para a eficácia imediata desse provimento.”

Portanto, é necessário analisar o artigo 311, IV, do CPC, que dispõe sobre a concessão da tutela de evidência sem a necessidade de demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando a petição inicial estiver instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, contra a qual o réu não apresente prova capaz de gerar dúvida razoável. 

Dessa forma, a tutela de evidência, conforme o parágrafo único do artigo 311, não pode ser concedida liminarmente. Suponhamos que o processo inicie sem a concessão de qualquer tutela provisória, seja por não estarem preenchidos os requisitos ou por não ter sido pleiteada. Mesmo assim, o juiz pode conceder a tutela provisória na sentença, após análise probatória, se o réu não mais puder opor prova capaz de gerar dúvida razoável, viabilizando, dessa maneira, a concessão da tutela de evidência conforme o artigo 311, IV, do CPC. 

Aos advogados cabe pleitear a concessão desta poderosa tutela, seja na audiência de instrução ou em alegações finais, visando o imediato cumprimento provisório da sentença. O objetivo não é subverter o sistema, mas sim garantir maior efetividade às sentenças de primeiro grau e, consequentemente, maior celeridade e credibilidade ao sistema judiciário, em casos em que, após a produção de provas, o direito da parte reste inconteste. 

Nunca é demais apontar uma incoerência do sistema: ora, uma tutela de urgência deferida liminarmente (com o diferimento do contraditório) e com cognição sumária gera efeitos imediatos, mas uma sentença proferida após o exaurimento do contraditório e em grau cognitivo exauriente, somente passa a gerar efeitos após a decisão do recurso de apelação. 

Em síntese, embora o legislador tenha mantido o efeito suspensivo ope legis para o recurso de apelação, uma “porta” foi propositalmente deixada aberta para que seja possível dialogar com o caso concreto, buscando afastar a suspensão dos efeitos da decisão de primeiro grau em prol de uma maior efetividade e celeridade do sistema judiciário, sem comprometer a segurança jurídica, cabendo aos advogados e magistrados a ousadia e estratégia necessárias para satisfação célere do bem da vida pretendido.  

  • Cássio Scarpinella Bueno; Manual de Direito Processual Civil, p. 617-618. 
  • Brevíssimas Notas ao CPC-2015, Felipe Augusto de Toledo Moreira, Rafael de Arruda Alvim Pinto, 6ª Edição, 2019, Ed. Essere nel Mondo. 
  • https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm 
  • AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA SENTENÇA. APELAÇÃO. EFEITO. DEVOLUTIVO. ART. 273 DO CPC. DECISÃO DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM ENTENDIMENTO DESTA CORTE SUPERIOR. 
  1. É firme a orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o recurso de apelação contra sentença que defere a antecipação da tutela deve ser recebido apenas no efeito devolutivo.
  2. Agravo regimental não provido.

 

(AgRg no AREsp n. 623.568/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/8/2015, DJe de 28/8/2015.) 

 

 

Por: João Otávio Spilari Goes.  

Advogado. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil.