Holding ou Condomínio Rural – O que empresas familiares do agro devem considerar na escolha de ferramentas de planejamento sucessório e patrimonial

Para além de um faturamento expressivo e de uma perspectiva de rentabilidade futura excelente, o bom sucesso de uma empresa na atualidade depende de uma gestão corporativa capaz de garantir a continuidade dos negócios nos anos e décadas futuras. Isto se torna ainda mais crucial em um contexto de empresas familiares. No âmbito rural, em que o apego à tradição costuma ser um valor ainda mais sólido que em outros setores, o planejamento patrimonial e sucessório de empreendimentos familiares é a chave para uma passagem de bastão que assegure a observância e a manutenção do “modo de fazer” que vai do pasto ou plantio às regras de convivência e aos livros de contabilidade, conferindo estabilidade e eficiência aos processos internos frente ao envelhecimento e, eventualmente, ausência dos patriarcas e matriarcas que conceberam e expandiram os negócios.

Os números revelam que a adesão a um planejamento sucessório efetivo e a ferramentas de governança corporativa eficientes ainda é relativamente baixa no setor do agronegócio em nosso país. Tal como demonstrou, em 2021, pesquisa do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, em parceria com a PwC, em uma amostra em que 80% das empresas rurais eram familiares, o principal desafio apontado foi a sucessão, seguido por problemas correlatos, como a tomada de decisões unilaterais em mais da metade dos casos, a ausência de clareza de regras para a participação dos familiares na empresa e a ausência de um conselho familiar estruturado para discussão [1].

As proporções continentais do Brasil fazem com que toda a lógica da exploração da atividade empresária rural seja construída sobre as necessidades e limitações de grandes propriedades rurais – em outras palavras, na maioria dos casos, tratar do agronegócio brasileiro é falar sobre latifúndio familiar e seus grandes números: hectares, receitas, dispêndios e impostos. Por isso, a escolha pela melhor estrutura jurídica para organizar e proteger o patrimônio e as operações de famílias empresárias rurais não é nada óbvia. Entre os instrumentos disponíveis em nosso ordenamento jurídico, podemos citar a utilização de holdings ou a instituição de condomínios rurais.

Não raro consultorias e consultores publicam textos sobre holdings patrimoniais para fins de planejamento sucessório. Muitos destes, entretanto, limitam-se a tratar sobre a possibilidade de montar um plano baseado no uso de holding, pura ou patrimonial, apresentando soluções prontas e genéricas. O setor agrário, enquanto um dos mais aglutinadores de famílias que dividem patrimônio (terras, semoventes e ativos plantados) e de formações de empresas ligadas diretamente ao agronegócio, não está protegido destas investidas. Evidente que se pode afirmar que a holding é uma das estratégias para a sucessão no campo. Mas é evidente também que, antes, deve ser considerada a estrutura da família, do patrimônio, de seu modo de ser exercido e se é uma boa prática econômica, considerando os tributos envolvidos no momento ou ao longo da operação e a transmissão do patrimônio.

Um dos principais atrativos para a utilização da holding, seja no formato de sociedade limitada ou de sociedade anônima, é a possibilidade de que a família integralize o capital social com a transferência dos imóveis rurais para a sociedade empresária. Assim, a situação de copropriedade entre os familiares deixa de existir e dá lugar à relação de sócios, conferindo um grau maior de separação entre as esferas patrimoniais. Por sua vez, a atividade rural passa a ser explorada – diretamente ou indiretamente – pela empresa. A despeito de ser uma ótima ferramenta de planejamento patrimonial e sucessório, a opção pela holding envolve a incidência de impostos, emolumentos e taxas, bem como envolve gastos operacionais com constituição, assessoria e contabilidade, o que pode resultar no encarecimento da operação rural.

Quando falamos na exploração da atividade rural através de pessoas físicas, é sabido que a legislação brasileira concede uma redução tributária aos produtores rurais, a qual, como regra geral, não é refletida quando a mesma atividade é desenvolvida através de uma pessoa jurídica, como o caso da holding. Dessa forma, a depender do faturamento e do tamanho da operação desenvolvida, a constituição de uma holding e a possível perda desse benefício tributário nem sempre será interessante ou fará sentido para a família. Esse é provavelmente um dos principais motivos pelos quais, nos dias de hoje, 26,7% dos empreendimentos rurais do Brasil ainda operam através das pessoas físicas dos empreendedores [2].

Não se pode esquecer também que, apesar de a holding trazer uma gestão corporativa mais robusta e estruturada, em se tratando de uma empresa familiar propriamente dita, a estruturação de relações empresariais saudáveis demanda o exercício frequente e transparente do diálogo entre os envolvidos, a fim de ajustar e manter cotidianamente a atividade empresarial. Infelizmente, no entanto, essa nem sempre é uma realidade alcançável entre os membros das famílias que empreendem no agro – especialmente para o arranjo de tópicos sensíveis como a morte, a sucessão da administração, o regime de casamento e a divisão do patrimônio (temas evitados em quase metade das famílias empresárias rurais, segundo a mesma pesquisa [3]).

Nesse diapasão, é de suma relevância que sejam considerados os impactos tributários das atividades rurais que são desenvolvidas pela família, para se averiguar os custos de operar através das pessoas físicas ou através de holdings, bem como a dinâmica e o grau de afinidade, entrosamento e transparência entre os familiares, todos cruciais para a longevidade de uma holding rural eficiente. Diante destas ponderações, como uma ferramenta alternativa, temos a instituição de um condomínio rural entre os familiares para a exploração da atividade, um formato estruturalmente mais simples que a holding, mas ainda apto a evitar a informalidade da operação e conferir camadas de organização, governança e planejamento patrimonial e sucessório para famílias do setor.

Ainda pouco divulgada para o mercado, o condomínio rural é uma estrutura que permite a exploração da atividade rural conjunta pelos coproprietários da área. O seu manejo, se comparado à ausência de qualquer contorno jurídico formal sobre a propriedade rural, é bastante positivo, pois preserva o imóvel de forma indivisa, evitando-se o fracionamento sucessivo da terra que pode culminar na atribuição injusta de pedaços menos comercialmente interessantes aos herdeiros e, até mesmo, na inviabilização da exploração da atividade.

Além disso, a manutenção da atividade através das pessoas físicas, possibilitando o aproveitamento dos benefícios tributários concedidos à agricultura familiar, mesmo após a sucessão aos herdeiros, pode ser uma grande vantagem para as famílias. No que tange à governança e ao diálogo entre os envolvidos, uma estruturação bem-feita e atenta às possibilidades legais de um condomínio rural torna possível, através de um contrato formalmente estruturado, a definição de regras para a exploração da atividade, atribuição de responsabilidades e cargos de administração, dividindo-se receitas e despesas da atividade rural na proporção das cotas detidas por cada proprietário.

Assim, o condomínio rural figura como uma solução contratual que atende a ambientes familiares cujo terreno para o diálogo ainda não seja tão fértil, em razão da individualização das quotas-partes, e pode funcionar como uma solução transitória, ou mesmo preparatória, para a implementação de futuras ações mais expressivas de planejamento sucessório e de governança corporativa.

 

Para ilustrar, a tabela abaixo correlaciona, sinteticamente, alguns pontos a serem considerados na comparação entre o uso de holdings e de condomínios rurais como ferramentas para empresas familiares rurais:

CRITÉRIO

HOLDING

CONDOMÍNIO RURAL

Carga tributária Se houver exploração de atividade rural direta, há incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, Funrural e Senar (sendo os dois últimos não aplicáveis em caso de apenas arrendamento da terra).  

Renda tributada no IRPF proporcionalmente à quota do condômino, podendo optar entre apuração por livro-caixa (benefício de dedução das despesas de custeio e de investimento) ou base presumida, com tabela progressiva + contribuição previdenciária.

Propriedade Concentração patrimonial na pessoa jurídica (integralização do imóvel) Regime de copropriedade entre todos os condôminos, dividido em quinhões.
Remuneração dos sócios ou condôminos Via Pro-labore e Distribuição de lucros/dividendos (há que se considerar o trâmite do PL para tributação em 10% da DL a partir de 50k/mês). De acordo com o quinhão e conforme convencionado em Contrato.
Proteção patrimonial Dívidas da sociedade ou das pessoas dos sócios não alcançam as pessoas dos demais sócios, salvo nas hipóteses legais de desconsideração da personalidade jurídica. Dívidas contraídas nas pessoas físicas dos condôminos podem alcançar o imóvel.
Estruturação Exige estruturas formais de regras societárias e registro na Junta Comercial, que resultam na distinção da personalidade jurídica para empresa e das pessoas físicas. Estruturação simplificada – copropriedade registrada na matrícula do imóvel e contrato de condomínio registrado em Cartório e na Secretaria da Fazenda. Não há distinção de personalidade jurídica.
Participação dos sócios ou condôminos Proporcional às quotas ou ações detidas, com a possibilidade de convenção de participações desproporcionais, com baixo risco de impactos tributários (caracterização de doação e incidência de ITCMD). Proporcional às cotas/quinhões detidos, com a possibilidade de convenção de participações desproporcionais, com alto risco de impactos tributários (caracterização de doação e incidência de ITCMD).
Governança Possibilidade de estipular regras no Contrato Social ou em Acordo de Sócios, conforme as disposições do Código Civil e Lei de S.A., determinando a respeito de restrições à exploração da atividade, compra e venda, eleição de administradores, regras de governança, instituição de comitês e quóruns de deliberação. Possibilidade de estipular regras em Contrato, limitadas às disposições do Código Civil, determinando a respeito de restrições à exploração da atividade, compra e venda, eleição de administradores, regras de governança, instituição de comitês e quóruns de deliberação.
Sucessão Através da doação ou transmissão causa mortis das quotas/ações aos herdeiros do sócio. Através da doação ou transmissão causa mortis das frações ideais de imóvel aos herdeiros do proprietário.

 

Vê-se, assim, que não há – e não deve haver – solução única em se tratando de sucessão e gestão patrimonial no campo.

A escolha pela melhor ferramenta sucessória para empreendimentos rurais familiares deve ser feita cautelosamente e amparada da orientação jurídica que leve em consideração o tamanho do patrimônio, o número de herdeiros, o grau de profissionalização da família e dos negócios, os objetivos econômicos e até o perfil individual de cada membro da família envolvido.

Nesse sentido, a estruturação de modelos de negócio personalizados à cada dinâmica familiar, sejam eles fixos, transitórios ou até mesmo progressivos, evitando-se soluções prontas de prateleira que não façam sentido à necessidade de cada caso, é crucial para a garantia de segurança e de continuidade do legado da família rural empresária.

 


[1] Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. Governança no agronegócio: percepções, estruturas e aspectos ESG nos empreendimentos rurais brasileiros. São Paulo/SP, 2022. Disponível em: https://conhecimento.ibgc.org.br/Paginas/Publicacao.aspx?PubId=24539. Acesso em 15 de abril de 2025.

[2] Ibidem.

[3] Ibidem.


 

Por: Carlos Felipe Camiloti Fabrin

Carlos Felipe Camiloti Fabrin é sócio da área Societária e Sucessória da Oliveira e Olivi. Advogado pela Instituição Toledo de Ensino (ITE), com especialização em Direito Empresarial; Especialização em Gestão Ambiental, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); MBA em Gestão Empresarial, e Mestre em Sustentabilidade e Governança pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Membro associado de duas comissões do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

 

 

 

 

Por: Gabriella Mariano
Advogada na área de Sucessão Empresarial e Familiar da Oliveira e Olivi.

 

 

 

 

 

Por: Bruna Caldeira

Advogada na área de Sucessão Empresarial e Familiar da Oliveira e Olivi.

 

 

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