O tema 1.095 e o registro da alienação fiduciária no registro de imóveis

Mesmo com o julgamento do Tema 1095, pelo STJ, a ausência do registro da Alienação Fiduciária coloca em xeque o Código de Defesa do Consumidor.

O julgamento do tema 1.095 pelo STJ e o desnecessário registro da alienação fiduciária em relação ao efeito produzido frente às partes.

Em recente resolução de demandas repetitivas, registrado sob o tema 1.095, pelo Superior Tribunal de Justiça, houve o julgamento da tese alusiva à prevalência, ou não, do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de resolução do contrato de compra e venda de bem imóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia.

De forma intrínseca, o julgado enfrentou a prevalência, ou não, do artigo 53, do Código de Defesa do Consumidor, em detrimento da alienação prevista pelos artigos 26 e 27, da Lei 9.514/97, quando há o seu registro na matrícula do imóvel, bem como a constituição em mora do adquirente, como requisitos necessários para aperfeiçoamento das disposições contratuais na forma da lei.

Concluiu-se ao final que, na resolução de contrato de compra e venda de imóvel com alienação fiduciária dada em garantia, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deve ser observado o disposto na lei 9.514/97, por se tratar de legislação mais específica, afastando, automaticamente, o Código de Defesa do Consumidor, desde que o título esteja devidamente registrado no Cartório de Imóveis.

Desta maneira, para que haja a resolução do contrato na forma da lei mais específica, segundo o Superior Tribunal de Justiça, é necessário o seu registro perante o Registro de Imóveis. Caso contrário, a resolução do negócio havido entre as partes se reverencia às normas do Código de Defesa do Consumidor.

De certo, o Superior Tribunal de Justiça segue a norma como prevista, ou seja, de que a propriedade resolúvel somente será constituída mediante o registro do contrato que lhe serve de título, no competente Registro de Imóveis (art. 23, da lei 9.514/97).

Apesar de condicionar a validade da garantia mediante o seu registro, gerando a constituição do direito real, na resolução do Tema 1.095, a questão deixou ambígua uma questão: se tal providência impõe obrigação entre as partes ou somente gera efeitos perante terceiros.

Em que pese a resolução da questão condicionar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao registro do contrato no Registro de Imóveis, com o devido respeito, a sua ausência não retira a eficácia da garantia entre os contratantes, o que, por si só, descaracterizaria o Código de Defesa do Consumidor, porquanto o seu registro gera efeitos apenas perante terceiros alheios ao negócio.

Para tanto, se faz necessário uma breve análise de questões voltadas aos direitos reais previstos pela legislação civil.

O Código Civil dispõe que a propriedade do bem imóvel somente se transmite entre vivos, após registro do título no Registro de Imóveis, na forma do art. 1.245, do Código Civil.

Não só isso, mas a condição é a mesma para constituição, ou transmissão, dos direitos reais sobre os imóveis, assim como prevê o art. 1.227, do Código Civil.

Embora a lei civil preveja o registro para constituição dos direitos reais, não é por tal razão que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça condicione a validade e a eficácia do negócio, perante as partes contratantes, à perfectibilização da garantia.

O STJ ressalta, na verdade, que sua finalidade produz efeitos apenas perante terceiros alheios ao negócio.

Desta forma, sobre a hipoteca:

CIVIL. DIREITO REAL DE GARANTIA. HIPOTECA. VALIDADE. AVERBAÇÃO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. NÃO OCORRÊNCIA. BEM DE FAMÍLIA.

EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE. HIPÓTESE CONFIGURADA. 1. Nos termos do art. 3º, V, da lei 8.009/90, ao imóvel dado em garantia hipotecária não se aplica a impenhorabilidade do bem de família na hipótese de dívida constituída em favor da entidade familiar. 2. A hipoteca se constitui por meio de contrato (convencional), pela lei (legal) ou por sentença (judicial) e desde então vale entre as partes como crédito pessoal. Sua inscrição no cartório de registro de imóveis atribui a tal garantia a eficácia de direito real oponível erga omnes. 3. A ausência de registro da hipoteca não afasta a exceção à regra de impenhorabilidade prevista no art. 3º, V, da lei 8.009/90; portanto, não gera a nulidade da penhora incidente sobre o bem de família ofertado pelos proprietários como garantia de contrato de compra e venda por eles descumprido. 4. Recurso especial provido.

(REsp 1455554/RN, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/6/16, DJe 16/6/16)

Diferente não é quando se trata de uma simples promessa de compra e venda sem o seu Registro perante o Cartório de Imóveis, vez que o próprio Tribunal Superior já esclareceu que o promitente-vendedor não poderá dispor livremente do bem posto à venda, porquanto mesmo diante de terceiros de boa-fé, o negócio conflitante não surtirá efeito algum em relação ao contrato havido entre os contratantes. Vejamos:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. EMBARGOS DE TERCEIRO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO. NATUREZA JURÍDICA. EFEITOS. ALEGAÇÃO DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL AFASTADA. AUSÊNCIA DO REGISTRO DO MEMORIAL DE INCORPORAÇÃO E DEMAIS DOCUMENTOS PREVISTOS NO ART. 32 DA LEI 4.591/1964. ÔNUS DA INCORPORADORA. NULIDADE AFASTADA. SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. (…) 2. O descumprimento, pela incorporadora, da obrigação prevista no art. 32 da Lei 4.591/64, consistente no registro do memorial de incorporação no Cartório de Imóveis e dos demais documentos nele arrolados, não implica a nulidade ou anulabilidade do contrato de promessa de compra e venda de unidade condominial. Precedentes. 3. É da natureza da promessa de compra e venda devidamente registrada a transferência, aos adquirentes, de um direito real denominado direito do promitente comprador do imóvel (art. 1.225, VII, do CC/02). 4. A promessa de compra e venda gera efeitos obrigacionais adjetivados, que podem atingir terceiros, não dependendo, para sua eficácia e validade, de ser formalizada em instrumento público. Precedentes. 5. Mesmo que o promitente-vendedor não outorgue a escritura definitiva, não tem mais ele o poder de dispor do bem prometido em alienação. Está impossibilitado de oferecê-lo em garantia ou em dação em pagamento de dívida que assumiu ou de gravá-lo com quaisquer ônus, pois o direito atribuído ao promissário-comprador desfalca da esfera jurídica do vendedor a plenitude do domínio. 6. Como consequência da limitação do poder de disposição sobre o imóvel prometido, eventuais negócios conflitantes efetuados pelo promitente-vendedor tendo por objeto o imóvel prometido podem ser tidos por ineficazes em relação aos promissários-compradores, ainda que atinjam terceiros de boa-fé. 7. Recurso especial provido.” (REsp 1.490.802/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/4/18, DJe 24/4/18)

Não é à toa que já houve a apreciação da obrigatoriedade, ou não, do registro do contrato garantido com alienação fiduciária para constituição da propriedade fiduciária, embora a questão não tenha sido explorada de forma ampla no julgamento do Tema 1.095. Neste sentido:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RESCISÃO DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE INADIMPLÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI 9.514/97. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA. REGISTRO DO CONTRATO EM CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS. PRESCINDIBILIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, diante da incidência do art. 27, § 4º, da Lei 9.514/1997, que disciplina de forma específica a aquisição de imóvel mediante garantia de alienação fiduciária, não se cogita da aplicação do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, em caso de rescisão do contrato por iniciativa do comprador, ainda que ausente o inadimplemento. 2. A jurisprudência desta Corte Superior entende que não é necessário o registro do contrato garantido por alienação fiduciária no Cartório de Títulos e Documentos para que o pacto tenha validade e eficácia, visto que tal providência tem apenas o intuito de dar ciência a terceiros. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 1.689.082/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 16/11/20, DJe de 20/11/20.)

Assim, de acordo com os entendimentos adotados pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, o registro da Garantia Fiduciária traria efeitos apenas e tão somente em relação a terceiros estranhos ao negócio, de modo que a validade e a eficácia do negócio são mantidas vigentes em relação ao vendedor e ao adquirente do imóvel.

Independentemente do registro, ou não, da Alienação Fiduciária dada em garantia, o Código de Defesa do Consumidor não se prepondera no contrato havido entre as partes, porquanto a finalidade do registro produz efeitos somente em face de terceiros, não descaracterizando os efeitos da garantia entre as partes, de forma que a resolução do contrato de compra e venda, quando caracterizada a inadimplência do adquirente, deve-se observar o disposto na lei 9.514/97.

Por: João Vitor Pereira de Souza

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